A Proposta de Lei n.º 1/XVII/1.ª, recentemente aprovada em Conselho de Ministros, propõe a 11.ª alteração à Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de outubro), inserindo-se numa linha de atuação legislativa orientada para um endurecimento das políticas migratórias em Portugal. Esta proposta traduz uma reformulação profunda dos regimes de atribuição, aquisição, perda e consolidação da nacionalidade portuguesa, tendo suscitado um debate jurídico relevante, nomeadamente no plano constitucional.
Este artigo propõe uma análise crítica das principais alterações previstas, com especial atenção às suas implicações jurídicas, constitucionais e administrativas.
A proposta elimina o critério de atribuição automática da nacionalidade com base no jus soli. A partir da entrada em vigor da nova redação legal, a nacionalidade apenas poderá ser atribuída a filhos de estrangeiros nascidos em Portugal se se verificarem cumulativamente dois requisitos:
A exigência de prova documental válida da residência legal reforça o controlo administrativo do processo, afastando a admissibilidade de documentos de identificação não acompanhados de autorização de residência.
Quanto à nacionalidade derivada atribuída a netos de portugueses, estabelece-se um conjunto de novos pressupostos materiais, entre os quais se destacam:
Trata-se de uma alteração que densifica o critério da "efetiva ligação à comunidade nacional", historicamente interpretado em termos amplos pela jurisprudência.
A aquisição da nacionalidade por naturalização passa a estar sujeita a requisitos mais estritos, nomeadamente:
Salienta-se, ainda, a revogação da norma que permitia a naturalização de indivíduos com penas inferiores a três anos. A nova redação exclui qualquer pessoa com pena de prisão efetiva, independentemente da sua duração, o que suscita potenciais conflitos com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena.
Outro aspeto relevante prende-se com a alteração do momento relevante para a contagem do prazo de residência legal, que passa a ser o da concessão do título de residência, e não mais a mera manifestação de interesse ou a entrada em território nacional. Esta alteração visa evitar abusos interpretativos e harmonizar critérios administrativos.
A proposta elimina expressamente a possibilidade de aquisição da nacionalidade com base na descendência de judeus sefarditas expulsos de Portugal, revogando um dos mecanismos mais simbólicos de justiça histórica adotados nas últimas décadas. Esta revogação tem sido objeto de forte contestação por organizações da sociedade civil, que a consideram abrupta e desproporcional.
Do mesmo modo, é proposta a limitação da nacionalidade por via ascendente ao grau de bisnetos, ficando excluídas gerações posteriores (trinetos e além). A restrição contrasta com interpretações anteriores mais abrangentes do conceito de descendência direta e poderá vir a ser objeto de impugnações judiciais.
Uma das alterações mais sensíveis do ponto de vista constitucional é a introdução da possibilidade de revogação judicial da nacionalidade portuguesa como sanção acessória, nos seguintes moldes:
Esta medida tem sido alvo de críticas, por suscitar dúvidas quanto à sua conformidade com o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade, e a garantia da nacionalidade como direito fundamental consagrado no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
As alterações legais entrarão em vigor no dia seguinte à publicação da lei, com exceção dos pedidos de nacionalidade por tempo de residência, que serão regulados pela nova lei apenas se apresentados após 19 de junho de 2025.
Esta norma transitória visa salvaguardar o princípio da proteção da confiança legítima, tal como consagrado na jurisprudência constitucional, evitando uma afluência massiva de pedidos no período imediatamente anterior à entrada em vigor da nova legislação.
As alterações propostas à Lei da Nacionalidade evidenciam uma clara opção legislativa por uma abordagem mais restritiva e securitária na definição de quem pode aceder à cidadania portuguesa.
Do ponto de vista constitucional, destacam-se três pontos de análise crítica:
Em suma, a proposta de alteração à Lei da Nacionalidade configura um dos mais significativos redirecionamentos normativos em matéria de cidadania desde 1981.
A sua tramitação parlamentar será decisiva para a definição dos contornos finais do regime, sendo previsível um debate intenso na Assembleia da República e na esfera pública.
A entrada em vigor de um regime mais restritivo impõe um exame atento à sua conformidade com os princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático, bem como ao respeito pelos direitos fundamentais dos indivíduos afetados.