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08 Agosto 2025

Alterações à Lei da Nacionalidade Portuguesa – O que está previsto mudar

1. Introdução

A Proposta de Lei n.º 1/XVII/1.ª, recentemente aprovada em Conselho de Ministros, propõe a 11.ª alteração à Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de outubro), inserindo-se numa linha de atuação legislativa orientada para um endurecimento das políticas migratórias em Portugal. Esta proposta traduz uma reformulação profunda dos regimes de atribuição, aquisição, perda e consolidação da nacionalidade portuguesa, tendo suscitado um debate jurídico relevante, nomeadamente no plano constitucional.

Este artigo propõe uma análise crítica das principais alterações previstas, com especial atenção às suas implicações jurídicas, constitucionais e administrativas.

2. A Nacionalidade Originária: Alterações ao Jus Soli e aos Direitos dos Netos de Portugueses

A proposta elimina o critério de atribuição automática da nacionalidade com base no jus soli. A partir da entrada em vigor da nova redação legal, a nacionalidade apenas poderá ser atribuída a filhos de estrangeiros nascidos em Portugal se se verificarem cumulativamente dois requisitos:

  • Residência legal de, pelo menos, três anos de um dos progenitores;
  • Declaração expressa de vontade dos pais no sentido da atribuição da nacionalidade.

A exigência de prova documental válida da residência legal reforça o controlo administrativo do processo, afastando a admissibilidade de documentos de identificação não acompanhados de autorização de residência.

Quanto à nacionalidade derivada atribuída a netos de portugueses, estabelece-se um conjunto de novos pressupostos materiais, entre os quais se destacam:

  • Domínio da língua e cultura portuguesas;
  • Conhecimento dos direitos e deveres fundamentais e da organização político-constitucional do Estado.

Trata-se de uma alteração que densifica o critério da "efetiva ligação à comunidade nacional", historicamente interpretado em termos amplos pela jurisprudência.

3. A Naturalização: Novos Requisitos e Enquadramento Constitucional

A aquisição da nacionalidade por naturalização passa a estar sujeita a requisitos mais estritos, nomeadamente:

  • Residência legal efetiva durante sete anos para nacionais da CPLP, e dez anos para os demais estrangeiros;
  • Realização de testes obrigatórios relativos:
    • À língua portuguesa e cultura nacional;
    • Aos direitos e deveres fundamentais consagrados na Constituição;
    • À organização do Estado democrático;
  • Declaração formal de adesão aos princípios do Estado de Direito Democrático.

Salienta-se, ainda, a revogação da norma que permitia a naturalização de indivíduos com penas inferiores a três anos. A nova redação exclui qualquer pessoa com pena de prisão efetiva, independentemente da sua duração, o que suscita potenciais conflitos com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena.

Outro aspeto relevante prende-se com a alteração do momento relevante para a contagem do prazo de residência legal, que passa a ser o da concessão do título de residência, e não mais a mera manifestação de interesse ou a entrada em território nacional. Esta alteração visa evitar abusos interpretativos e harmonizar critérios administrativos.

4. Extinção do Regime Especial dos Descendentes de Judeus Sefarditas e Limitação da Nacionalidade por Ascendência

A proposta elimina expressamente a possibilidade de aquisição da nacionalidade com base na descendência de judeus sefarditas expulsos de Portugal, revogando um dos mecanismos mais simbólicos de justiça histórica adotados nas últimas décadas. Esta revogação tem sido objeto de forte contestação por organizações da sociedade civil, que a consideram abrupta e desproporcional.

Do mesmo modo, é proposta a limitação da nacionalidade por via ascendente ao grau de bisnetos, ficando excluídas gerações posteriores (trinetos e além). A restrição contrasta com interpretações anteriores mais abrangentes do conceito de descendência direta e poderá vir a ser objeto de impugnações judiciais.

5. Perda da Nacionalidade: Introdução de Regime de Revogação Judicial

Uma das alterações mais sensíveis do ponto de vista constitucional é a introdução da possibilidade de revogação judicial da nacionalidade portuguesa como sanção acessória, nos seguintes moldes:

  • Aplica-se exclusivamente a indivíduos naturalizados há menos de dez anos;
  • Requer condenação definitiva por crime doloso punível com pena igual ou superior a cinco anos de prisão;
  • A decisão será discricionária, ficando a cargo do juiz, que deverá ponderar os laços de integração do indivíduo na sociedade portuguesa;
  • A revogação implicará a inibição do direito de requerer nova naturalização por um período de dez anos.

Esta medida tem sido alvo de críticas, por suscitar dúvidas quanto à sua conformidade com o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade, e a garantia da nacionalidade como direito fundamental consagrado no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

6. Regime Transitório e Aplicação no Tempo

As alterações legais entrarão em vigor no dia seguinte à publicação da lei, com exceção dos pedidos de nacionalidade por tempo de residência, que serão regulados pela nova lei apenas se apresentados após 19 de junho de 2025.

Esta norma transitória visa salvaguardar o princípio da proteção da confiança legítima, tal como consagrado na jurisprudência constitucional, evitando uma afluência massiva de pedidos no período imediatamente anterior à entrada em vigor da nova legislação.

7. Considerações Finais: Enquadramento Constitucional e Implicações Jurídico-Administrativas

As alterações propostas à Lei da Nacionalidade evidenciam uma clara opção legislativa por uma abordagem mais restritiva e securitária na definição de quem pode aceder à cidadania portuguesa.

Do ponto de vista constitucional, destacam-se três pontos de análise crítica:

  • possível violação do princípio da não discriminação, sobretudo pela diferenciação de prazos de residência entre nacionais da CPLP e demais estrangeiros;
  • eventual inconstitucionalidade da perda da nacionalidade por decisão judicial, em especial quando aplicada a indivíduos que, apesar da nacionalização recente, demonstram integração efetiva no tecido social português;
  • pressão acrescida sobre os serviços administrativos, nomeadamente conservatórias e serviços de registo civil, cuja capacidade operacional já se encontra limitada.

Em suma, a proposta de alteração à Lei da Nacionalidade configura um dos mais significativos redirecionamentos normativos em matéria de cidadania desde 1981. 

A sua tramitação parlamentar será decisiva para a definição dos contornos finais do regime, sendo previsível um debate intenso na Assembleia da República e na esfera pública.

A entrada em vigor de um regime mais restritivo impõe um exame atento à sua conformidade com os princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático, bem como ao respeito pelos direitos fundamentais dos indivíduos afetados.